Orai, Vigiai e a Verdade que Liberta: quando o ego quer parecer descolado e a alma pede profundidade
- Ana Cristina Lamas
- 19 de mai.
- 3 min de leitura
Hoje percebi uma armadilha sutil do ego. Na ânsia de “atualizar” meu site, criei um link por impulso — sem estudar, sem conhecer, movida por uma vontade de parecer descolada, moderna, antenada. Quando me dei conta de que a ferramenta na versão gratuita não me permitiria o que eu queria, veio a irritação. Mas não demorou muito para que a pergunta simbólica surgisse: o que você quer com isso, Ana Cristina?
A resposta não demorou: quero parecer interessante. Mas… interessante para quem? E com que intenção? Ali, o ego estava em cena — mascarado de boa intenção, mas regido por uma necessidade de validação. A imagem que queria passar falava mais alto do que a conexão com minha essência. E foi aí que me veio uma das frases mais simbólicas da tradição espiritual, que para mim ressoa de forma profundamente psíquica: “Orai e vigiai. ”Não como um mandamento moralista, mas como um lembrete alquímico de que precisamos estar atentos aos movimentos internos, porque os complexos e os arquétipos não dormem. Eles agem por trás de pequenas escolhas, travestidos de autonomia ou criatividade, quando, no fundo, estão apenas alimentando antigos padrões de compensação.

Esse mesmo tema emergiu em uma sessão recente. A paciente falava de si com certa leveza — um tom quase divertido, dizendo que “não se prioriza”, que está sempre disponível, sempre prestativa, sempre cumprindo seus papéis. Ao ouvi-la, perguntei com delicadeza: “Você não se prioriza? Tem certeza?” E então completei: “Pelo que está dizendo, você prioriza sua imagem, e a mantém a qualquer custo.”
Ela ficou surpresa, talvez até desconcertada, mas não se aprofundou — dissociou. Voltou a rir. Como se o que eu tivesse dito não lhe dissesse respeito, como se fosse apenas uma curiosidade sobre o comportamento humano. E isso me tocou, porque ali estava uma verdade prestes a se revelar, mas ainda encoberta pelas camadas da persona — aquela que precisa ser vista como boa, disponível, impecável. A “verdade” que liberta só pode libertar quando é aceita.
E aqui entra outra frase que, longe de seu uso religioso, tem um valor simbólico imenso:“ A verdade vos libertará. ”A verdade da alma, não a da máscara. A verdade do desejo não dito, da raiva não admitida, do medo não nomeado. A verdade do que realmente nos move quando tomamos certas atitudes — mesmo aquelas aparentemente nobres.
Toda vez que dissociamos o arquétipo — seja o da vítima, do salvador, da arrogância ou da mártir — como se fosse apenas um comportamento isolado ou uma característica qualquer, perdemos a chance de integrar algo essencial. E toda vez que nossa “bondade” esconde um desejo secreto de reconhecimento, um pingo de superioridade ou um medo de rejeição, o ego toma a frente — mesmo que com boas intenções.
Por isso é preciso vigiar. Não como quem desconfia de si, mas como quem ama o que está sendo gestado na alma. E orar — não no sentido religioso, mas como quem se alinha interiormente à escuta simbólica, pedindo que o que precisa emergir encontre espaço e coragem para se revelar.
No fundo, estamos sempre sendo chamados a escolher entre sustentar a imagem ou encontrar a verdade. A primeira pode até manter as aparências. Mas só a segunda pode nos libertar.
Com carinho e verdade,
Ana Cristina.
Psicóloga junguiana
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