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A Imagem Que Nos Protege – e Nos Aprisiona

  • Foto do escritor: Ana Cristina Lamas
    Ana Cristina Lamas
  • 23 de jun.
  • 3 min de leitura
Gerada por IA
Gerada por IA

Em muitos momentos da vida clínica, especialmente no consultório da psicologia profunda, nos deparamos com uma força silenciosa que organiza a vida de muitas pessoas: a necessidade de proteger a imagem. Essa imagem não é apenas uma fachada social; é um organismo psíquico, criado a partir da observação dos valores que foram reforçados no meio em que crescemos.


Ser compreensiva, não causar incômodo, estar sempre disponível, demonstrar empatia sem limites, entender o outro antes de ser compreendida. Tudo isso vai compondo uma figura que parece bonita, madura, evoluída. Mas que, por dentro, carrega raiva, cansaço, angústia e culpa. À medida que o tempo passa, essa imagem vai se tornando uma armadura: protege, mas aprisiona.


E quando o paciente começa a se perceber por trás dessa armadura, a dor é inevitável. Porque para manter a imagem, ele trai a si mesmo. E aqui entra o ponto mais sensível: não há vítima sem arrogância, nem arrogância sem vítima.


Aquela que se sente constantemente desrespeitada, mas não se posiciona, pode estar sustentando a fantasia de que é melhor que os outros justamente por nunca reagir. É a arrogância moral disfarçada de humildade. E por trás dessa postura, mora uma vítima silenciosa, que se sente insignificante, que quer ser vista, mas tem medo de perder tudo se ousar se afirmar.


No consultório, isso se expressa de várias formas:


  • Pacientes que buscam validação externa para cada passo interno;

  • Pessoas que tratam o processo terapêutico como se fosse um curso ou uma consultoria pontual;

  • Vínculos que se dissolvem sem aviso, quando a imagem projetada não encontra eco.


Como terapeutas, também somos chamados a olhar para a nossa própria imagem. Muitas vezes, sustentamos a ideia de que ser compreensiva é sinônimo de ser boa terapeuta. Mas quando essa compreensão vira permissividade, quando a empatia vira autoabandono, algo se quebra. E o paciente sente.


Posicionar-se, portanto, é um movimento de reconexão com a verdade interna. E sim, muitas vezes esse movimento vem acompanhado de medo. Medo de perder o paciente, de ser rejeitada, de parecer dura. Mas posicionar-se com medo ainda é posicionar-se. É assim que a imagem começa a se desfazer - não por destruição, mas por integração.


Quando a terapeuta se autoriza a ser clara, firme e justa, ela se torna referência simbólica para que o paciente também possa encontrar sua própria firmeza. Quando ela deixa de tolerar o desrespeito velado, passa a atrair quem também se respeita. E quando ela se despede da imagem idealizada, encontra um lugar real de potência.


Esse é um processo que exige coragem, mas sobretudo, consciência. É preciso reconhecer o jogo entre a vítima, a arrogância e o medo. Dar nome ao que acontece. E sustentar a escolha de não mais se calar para manter uma ideia de bondade.


Porque ao fim, a imagem que mais cura é a da pessoa real, que se implica, que se posiciona, que se permite ser inteira, mesmo com medo.


Complemento: A Raiz da Imagem e Seus Parênteses Inconscientes


O que torna essa imagem tão resistente não é apenas o costume ou o hábito. É a crença profunda de que, sem ela, seremos rejeitados. É a lógica inconsciente de que, se eu deixar de ser compreensiva, eu me torno egoísta; se eu me posicionar, sou agressiva; se eu não ceder, sou uma pessoa ruim.


Esses parênteses invisíveis foram criados desde cedo. Foram os "valores observados" que serviram como roteiro de sobrevivência emocional: ver o que é valorizado, reproduzir e ser aceita. Mas a psique madura não suporta viver sob um script. Ela cobra verdade.


Por isso, ao olhar para a imagem que construímos, não estamos apenas fazendo um movimento racional. Estamos desarmando um sistema de defesa inteiro, sustentado por crenças emocionais profundamente enraizadas.


E o que surge quando a imagem começa a se dissolver? Medo. Sentimento de insignificância. Raiva por não ter sido vista. Vontade de vingança silenciosa. Tudo isso precisa ser visto, acolhido, nominado. Só assim a vítima e a arrogância podem se integrar. Só assim a terapeuta interna pode se tornar inteira: firme sem ser dura, sensível sem se anular.


Posicionar-se com medo é ainda assim posicionar-se. E isso já é uma ruptura simbólica no ciclo da auto traição.


Cada vez que uma mulher, terapeuta ou não, se firma mesmo tremendo, mesmo insegura, mesmo sentindo-se pequena... algo na alma dela se reorganiza. E isso é mais poderoso que qualquer imagem ideal.

Porque é real.


Com carinho e respeito,


Ana Cristina | Psicóloga junguiana

 
 
 

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