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O que é seu não virá — se você não vier também

  • Foto do escritor: Ana Cristina Lamas
    Ana Cristina Lamas
  • 6 de mai.
  • 2 min de leitura

Vivemos tempos em que frases de efeito circulam com força nas redes sociais, vestidas de sabedoria ancestral ou espiritualidade elevada. Muitas delas evocam nomes de pensadores como Jung, mas esvaziam seu conteúdo simbólico. Uma das mais repetidas afirma: “O que tiver que ser seu, será”. À primeira vista, pode parecer reconfortante. Mas, sob a lente da psicologia profunda, ela revela um perigoso desvio: a renúncia ao processo de individuação.


Gerada por IA
Gerada por IA

Jung jamais disse que nosso destino está garantido, como se uma força cósmica benevolente se ocupasse de entregar-nos aquilo que desejamos. Pelo contrário, ele nos convocava ao confronto com a sombra, à travessia da dor, à responsabilidade de olhar para dentro e integrar o que recusamos ser. O que está por vir só se realiza se houver um vir-a-ser dentro de nós.


Ser humano não é apenas uma condição de nascimento. É um percurso. Humanos, todos nascemos. Ser humano é verbo, é escolha, é atravessamento. É carregar no colo o que julgávamos indigno, é retirar a projeção dos outros e recolhê-la ao nosso campo, é encontrar sentido no caos, e não fórmulas no conforto.




A promessa de que “tudo conspira” e que “o universo está a seu favor” pode ser um alívio momentâneo, mas também pode se tornar um entorpecente simbólico. Há uma enorme diferença entre compreender que somos parte de uma totalidade viva e delegar a ela o que só a consciência pode realizar. O Self não nos força — ele nos convida. E o convite é exigente.

Palavras como frequência, vibração, destino, despertar vêm sendo usadas de forma cada vez mais genérica, esvaziadas de sua carga simbólica. Elas passam a ser instrumentos de um novo moralismo: o do “positivo atrai positivo”, do “tudo é para ensinar a dizer não”, do “não ressoe com o que é baixo”. Isso não é psicologia junguiana. Isso é fuga.


A verdadeira jornada exige o oposto: ressoar sim, mas com o que dói. Ouvir sim, mas o que desestabiliza. Dizer não, mas ao discurso que mascara a dor com mantras. A individuação não é para quem espera; é para quem se move — mesmo na escuridão.


Não há nada de errado em buscarmos sentido, energia, reconexão. Somos também feitos de campo sutil. Mas quando isso se torna um mercado de palavras vazias, usado para escapar do trabalho interno, perdemos o fio. A espiritualidade que não nos humaniza, nos aliena. E o simbolismo que não nos responsabiliza, nos infantiliza.


Por isso, não se engane:

O que tiver que ser seu, só será — se você também for ao encontro de si.


Com carinho,


Ana Cristina.

Psicóloga junguiana

 
 
 

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