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O espelho que arde: o outro que sou

  • Foto do escritor: Ana Cristina Lamas
    Ana Cristina Lamas
  • 15 de mai.
  • 2 min de leitura

Durante muito tempo, julguei Freud.


Julguei suas certezas, sua arrogância, sua limitação diante da alma. Julguei sua pretensão de universalizar a própria dor como teoria. E em silêncio — ou talvez nem tanto — repeti seu gesto. Vesti o manto da superioridade velada, da escuta que analisa antes de acolher, da presença que não se dobra, mas se impõe, ainda que com voz doce.

Mas a alma não permite farsas por muito tempo.



Gerada  por IA
Gerada por IA

E veio o sonho. Freud de um lado, sentado com seu ar de impáfia. Jung do outro, ensinando com firmeza em uma lousa invisível. E eu ali, fingindo que não era comigo. Mas era. Sempre foi. O incômodo com Freud não era apenas teórico. Era identitário. A postura que critiquei nele era a mesma que habita em mim.


O mais difícil não foi admitir isso — foi sentir.


Sentir o peso da falsidade interna. Sentir a vergonha que arde quando percebemos que não estávamos ali, de verdade, com o outro. Estávamos protegendo um saber, defendendo uma imagem, sustentando um trono interno que nos mantinha distantes, mesmo na presença física.

E o corpo falou. A dor na nuca, o estômago revirado, o tremor interno. Porque quando a verdade rompe a couraça, o corpo se torna território de passagem.


Agora compreendo: não se trata de justificar o comportamento, nem de explicar o que o originou. Isso é retornar ao inconsciente, é reembalar a sombra com fita de autocompaixão. Não. O que cura é o ato de ver — nu, direto, sem juízo moral e sem desculpas.


Ver a arrogância.

Ver a falsidade.

Ver o desejo de ser especial às custas do outro.

E não recuar.


Porque só assim essa parte pode emergir em sua inteireza e, com o tempo, se integrar ao seu oposto complementar. Só assim ela deixa de dominar a alma em segredo — e passa a dialogar com ela.


O Freud interno foi reconhecido. E com isso, talvez, um pouco mais de liberdade tenha nascido.


A travessia segue. A verdade não é gentil, mas é viva. E é nela que a alma encontra sua inteireza.


Com carinho,


Ana Cristina.

Psicóloga junguiana

 
 
 

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