Burnout: quando a alma grita pelo que foi silenciado
- Ana Cristina Lamas

- 10 de mai.
- 3 min de leitura
Do ponto de vista junguiano, o burnout não é apenas um colapso físico ou mental — é uma ruptura simbólica, um grito da alma pela totalidade perdida.
1. Um colapso da unilateralidade do ego
Jung alertava para os perigos da unilateralidade: quando a consciência se identifica demais com uma função (pensamento, sentimento, sensação ou intuição) e ignora os conteúdos do inconsciente, ocorre um desequilíbrio. O burnout é um sintoma dessa desconexão, onde a pessoa se identifica com uma persona produtiva, eficiente e incansável, e negligencia suas necessidades emocionais, simbólicas e instintivas.
2. Uma chamada do Self para reorientar a vida
Burnout pode ser visto como um nigredo — a fase escura da alquimia — em que a alma entra em colapso para que uma transformação profunda seja iniciada. Jung diria que esse esgotamento extremo é um convite da psique para abandonar um modo de vida inautêntico e ouvir o que foi ignorado: o corpo, os afetos, os sonhos, a vocação real.
3. Um sintoma de desintegração da totalidade interior
O indivíduo em burnout geralmente perdeu contato com a imaginação, com o jogo simbólico e com a função transcendente. Ele vive no tempo de Kronos — cronológico, devorador — sem acesso ao tempo de Kairós — o tempo da alma. Jung talvez perguntasse: “A quem você está servindo? Ao seu destino ou a um ideal imposto?”
4. A sombra da ética do trabalho
No burnout também pode emergir a sombra da ética protestante: a compulsão por ser útil, bem-sucedido, necessário. Jung diria que o arquétipo do Herói, quando inflado, empurra o indivíduo a se sacrificar até a exaustão, acreditando que isso é virtude. Mas a alma cobra.

Enquanto a sociedade moderna valoriza a produtividade, a performance e a eficiência, o burnout surge como uma reação somática e psíquica a esse desequilíbrio. Jung não usou esse termo diretamente, mas seu olhar sobre a unilateralidade da consciência lança luz profunda sobre esse adoecimento contemporâneo.
Quando o ego se identifica em excesso com a persona — o papel social do competente, do disponível, do incansável — o Self, núcleo organizador da psique, começa a enviar sinais de correção. Primeiro sutis: cansaço, desânimo, desconexão. Depois mais intensos: insônia, esgotamento, perda de sentido. E quando não há escuta, o colapso se instala.
Para Jung, isso é sintoma de uma vida vivida de forma unilateral — ou seja, centrada em apenas uma parte da personalidade, em detrimento de outras. A criatividade, o corpo, os afetos e os sonhos ficam sufocados pela exigência externa e pela compulsão interna de corresponder a ideais. A energia psíquica, chamada por ele de libido, deixa de circular livremente e se fixa, adoecendo.
Esse esgotamento profundo pode ser compreendido como uma fase de nigredo — o caos inicial da alquimia — em que antigas estruturas precisam morrer para que algo novo possa emergir. O burnout não é apenas uma falha: é um chamado.
Chamado para desacelerar. Para retornar à interioridade. Para reencontrar o tempo da alma, que não se mede em metas, mas em sentido.
Ele denuncia uma desconexão: da natureza, dos ritmos internos, do brincar, do vazio criador. Jung diria que, por trás desse colapso, está uma alma sedenta por autenticidade.
Recuperar-se do burnout, portanto, não é apenas repousar o corpo — é escutar o que foi silenciado. É reconhecer a sombra do ideal de sucesso e confrontar o Herói inflado que não permite descanso. É abrir espaço para a função transcendente operar: integrar o oposto, reorientar o caminho.
A alma não adoece à toa. A exaustão pode ser o início de um novo ciclo. Mas só se ouvirmos o que ela tem a dizer.
E você, o que sua alma está gritando?
Com carinho,
Ana Cristina.
Psicóloga junguiana






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